segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Sobre mudar de faculdade #3


Parte III - Dicas para pensar sobre o futuro Bourne

Então, após uma eternidade, temos o terceiro post da série "mudança de curso".

No post anterior, falei de três conselhos que segui para efetuar minha mudança:

1. Escolher algo que ofereça um cotidiano atraente - algo que você consiga fazer várias vezes sem achar maçante ou estressante;
2. Pensar em uma coisa que você já faz e que a faculdade apenas vem para aprimorar.
3. Perguntar: "que coisa sensacional essa que tenho a oferecer que já me satisfaz e que quero dividir com o mundo?"

Por alto, minhas respostas poderiam ser:

1. Não ser interrompida em meus afazeres, podendo lidar com uma coisa de cada vez. Ter flexibilidade de horário, lidar com livros e escrever num computador. Lidar com um problema de cada vez. Trabalhar mais a mente do que o físico, ter mais estímulos internos que externos. Trabalhar predominantemente com a mente, raciocinar, ter conversas profundas.
2. Escutar pessoas, ler textos e escrever histórias e resenhas, refletir sobre a existência humana, desenhar a lápis.
3. Escutar e escrever.

Do ponto de vista prático, é interessante pensar em como vai ser o meio do caminho, isto é, a graduação. O vestibular é um concurso de investimento na sua carreira, por isso você irá se aprimorar durante um tempo - e como você pode fazer isso? O que é possível, vantajoso? Estudar em turno integral? Matutino? Vespertino? Noturno? Precisará trabalhar durante a graduação? A faculdade escolhida oferece algum benefício que te permita continuar a estudar? Ela oferece um bom curso na área que procura?

[Você realmente quer fazer uma graduação? Tem gente que não tem paciência ou desejo de fazer uma graduação e apenas faz por preconceito ou por ignorar a existência de cursos breves, como os técnicos. Você quer uma formação mais teórica e abrangente ou algo mais prático e focado? Qual é o seu estilo de estudo/atuação/trabalho?]

E, do ponto de vista vocacional, entra em cena o foco. Acho que os indecisos já devem saber que não existe um curso certo para você, o que é angustiante. E também você não pode fazer absolutamente tudo - a existência demarca limites. Então, o que existe? Existe um leque de possibilidades que encaixam no nicho social que você ocupa. O que fazemos é descobrir aquilo com que nos identificamos o suficiente para pensar em tirar um proveito duradouro disso.

[Eu particularmente gosto da idéia de que não podemos fazer absolutamente tudo - esse "tudo" sempre me angustiou muito. Parecia que eu tinha de abraçar o mundo além das minhas capacidades, e hoje entendo que não é assim, e fico aliviada por precisar apenas contemplar aquilo que se limita às minhas possibilidades.]

[Outro detalhe interessante é que muitas de suas aptidões são encontradas em sua própria família, mesmo que na geração de seus avós.] 

Então falamos sobre largar ou não curso atual. Largar ou não largar, eis a questão: a gente termina o que começou para depois investir em outra coisa ou larga de uma vez?

Muita gente, quando pensa em mudar de curso, pensa principalmente no período da faculdade em que está - calcula aritmeticamente o tempo, se compensa terminar ou sair. Não vejo o período em que nos encontramos como um fator determinante para nossa decisão.

É comum as pessoas falarem que, se você quer mudar no segundo período, "a hora é agora", mas que, se quiser no oitavo, tem que terminar primeiro o que começou. Isso é ruim porque dá uma noção de obrigação, como se fosse o melhor para você - e não é necessariamente! Outra falácia é de que é melhor ter logo o diploma porque é sempre algo a mais que você vai ter, dá uma segurança.

Bom, é isso que pessoas com transtorno acumulador também pensam. Aquele potinho de iogurte vazio pode até ter alguma utilidade, mas não significa que você realmente vá usar.

[Na realidade, esses potinhos vão se acumular progressivamente até você se sentir entulhado com pilhas deles, pilhas de coisas reutilizáveis que o impedem de usar o que você realmente quer usar.]

No caso de Farmácia, para que eu usaria o diploma se não fosse fazer nada relacionado a isso?

Acho que é uma boa hora para lembrar a filosofia KonMari sobre a qual resenhei neste post. Se não devemos entulhar nossa casa com utensílios que não temos a mais remota possibilidade de realmente utilizar, por que você deve continuar a desperdiçar seu próprio tempo (sua moeda mais valiosa) com algo que entulhará sua existência? Talvez começar o curso tenha sido válido como experiência de vida - você não tem obrigação nenhuma de terminar, mesmo estando no nono período. Sim - até mesmo no nono.

Vamos supor que eu estivesse no sétimo período de Farmácia (de dez), tivesse uma crise e seguisse o conselho de terminar a graduação - afinal, faltam apenas três períodos, certo? E, nas coxas, termino, bufando.

Daí, se eu fizesse o que quero, algo como Direito, e me especializasse em Direito do Trabalho, o que constaria no meu currículo?

Formação em Direito na Faculdade Tal
Projeto Final sobre cobradores de ônibus vítimas de assédio moral
Certificado importante em Congresso sobre Trabalho Escravo na Atualidade
Fluência em inglês e espanhol
Atribuições especiais de rodapé de currículo: graduação em Farmácia-bioquímica

É lindo, mas não diz nada. A menos que eu fosse uma personagem de seriado, uma amiga e colega de Bones, e que estivesse numa investigação sobre trabalho escravo com Booth e conversando com os suspeitos de escravizarem pessoas.

Bones is life. Always.

Como sempre, Bones e Booth teriam suas discussões particularmente fofas em que ele entra com o coração, e ela, com o intelecto. E eu seguiria atrás deles com minha dupla especialização - em ciências, como ela, e na Lei, como ele.



"Por que precisamos de uma advogada farmacêutica, Bones?"

Enquanto eles discutissem à distância, eu apenas aguardaria meu momento de entrar em ação... eles iriam na casa de uma pessoa relacionada à vítima de homicídio, conversariam com ela, eu estando por perto como uma representante do Direito, terninho e mãozinha no bolso. Então eu olharia para um banco com os olhos semicerrados e carregados de significação, apanharia uma luz negra, lançaria um luminol sobre a poltrona ("me empresta o luminol, Bones?"), onde eu encontraria vestígios de sangue que teriam sido denunciados por essa reação química.

Porque, embora estivesse ali como, sei lá, uma advogada, eu TAMBÉM teria formação em Farmácia e me lembraria daquela aula de Química Forense altamente aleatória dada no quinto período na disciplina de, sei lá, Toxicologia (?)! Sabem, aquela aula que veio meio que para substituir a vez em que o professor de toxicologia viajou para um Congresso? 

Entendem? É bonito, dá uma sensação de completude, mas as chances de acontecer algo assim na vida real não é muito grande - acho que vocês já perceberam. Além disso, para ser uma super promotora-farmacêutica, eu deveria gostar do primeiro curso e fazer o segundo com igual força de vontade. Ninguém que termina o negócio sem um pouco de afeição vai se lembrar do que viu em sala de aula no campo profissional.

[Bárbara, decida-se: você está nesse exemplo como investigadora, advogada ou promotora? Não é a mesma coisa.]

Aliás, mesmo quando amamos o curso, precisamos de constantes leituras e atualizações. Se você terminar um curso cuja carreira é aquela que não pretende seguir, qual sua chance de usar aquilo para alguma coisa? De se atualizar? Se a crise vier com o desemprego e você tiver uma formação que curte demais e outra que detesta, qual profissão vai procurar? Qual a chance de ser contratado?

Precisamos de um pouco de foco nessa história. Se for para sermos abrangentes, que incluamos nossos amores nessas abrangências, e não coisas de que gostamos e coisas com as quais não nos identificamos. E, se for para sermos mais focados, que foquemos naquilo que preencha nosso vazio existencial, e não naquilo que o amplifique.

Então, seja sincero e diga numa boa: eu não vou usar isso para nada na minha vida.

Desapega.

Eu não sei o que é pior: viver em função de um futuro utópico que não vem ou perder o tempo presente para resgatar um passado que já se foi.

DE-SA-PE-GA.

Agora, tem dois poréns:

O primeiro é que uma pessoa que chegou até o oitavo período (ou quinto, ou sexto) sem dúvida, por  múltiplas razões, suportou muito melhor o próprio curso do que aquela que saiu logo de cara. Assim, as chances de ela aguentar o finalzinho são também mais altas. O grosso do caldo já foi. Assim, se a crise está acontecendo, é bom olhar TODOS OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS POR TRÁS DISSO. A pessoa que encasqueta que quer sair no oitavo período possivelmente está passando por uma crise generalizada. E é preciso verificar a raiz dessa crise.

Tem gente que se sente presa a vida inteira e de repente se dá o direito de ter alguma liberdade; só que a liberdade é tanta que ela não suporta, por isso tem que ser aos poucos. Se a pessoa que chegou ao oitavo sempre foi disciplinada e regrada, de repente terminar o curso seja o melhor a ser feito não pelo diploma ou pelo tempo "perdido", mas para a auto-estima dela. Ela pode se sentir mais confiante em encontrar a sua vocação simplesmente porque ela não está pronta para largar o osso.

Deu para entender a diferença? É diferente de dizer "termina porque tá quase no fim, você aguenta, anda, é sempre bom ter um diploma". A gente tem que focar na auto-estima da pessoa, e não exaltar a reutilização do potinho de iogurte. Querida pessoa, não reutilize o que você está morrendo de preguiça de reutilizar. Quer economizar energia e preservar o meio ambiente, mas não quer reutilizar? Reduza o consumo. Deixa o potinho de iogurte para quem realmente for reutilizar.

Eu possivelmente seria essa pessoa. Se eu conseguisse dar cabo de Farmácia até, digamos o sétimo período, e começasse a me desiludir aí, talvez fosse bom para minha auto-estima terminar. Mas isso não significa que vá deixar guardado o diploma de reserva caso tudo dê errado. Convenhamos, se você tem uma formação de que você não gosta e outra de que você gosta, você vai realmente desistir do que gosta e investir no que você não gosta?

E se você ficar desempregado e a crise econômica chegar, porque a crise vem para todos, e não tiver emprego naquilo de que você gosta, você acha que realmente vai superar a concorrência naquilo de que não gosta? Porque você pode até não gostar de Farmácia, companheiro, mas ter o diploma não te coloca automaticamente no mesmo patamar de quem tá na crise com você e ADORA essa área. A pessoa passa na sua frente simplesmente porque, com muito amor e carinho, investiu mais naquilo que você. Se a crise é tão grande que você não consegue se empregar naquilo que curte, tampouco conseguirá uma rapa de tacho naquilo que detesta.

Por isso: DESAPEGA.

Tá para entrar no último ano de faculdade e tá com a crise aguda existencial? Terapia! Digo isso não porque é a minha área; aliás é a minha área porque acredito nisso e sei que funciona. Sem decisões drásticas, mas, se você pensar direitinho, entender quais seus motivos e conflitos e perceber que aquele último ano não vai acrescentar em nada - e você já tiver noção do que quer, compensa sair. Compensa trancar o curso e investir no que você quer.

Agora, se está tudo confuso e você ainda nem sabe o que quer, talvez o término da graduação seja o tempo necessário para refletir - e, ao final, com o diploma em mãos, talvez você já tenha um plano novo em mente.

Na minha opinião, qualquer mudança profissional admite esse conflito. É difícil ir para algo novo e, quanto mais consolidado você está no mercado, mais difícil é mudar. Mas, na minha opinião, o conflito está no automerecimento. Aprender todos podemos em todos os momentos da vida, mesmo que nossa sinapse potencial decaia; porém, a crença nessa capacidade é que varia. E essa crença está associada a fatores emocionais. Muita gente quer mudar, mas ainda tem a sensação de que não merece a mudança, é uma liberdade tão grande que sufoca - então a solução é entender a base do conflito e transformar isso.

Você se sente muito perdido? Ou você tem certeza do que fará, mas é uma certeza que não te acalenta, que não te alivia, que apenas tensiona seus músculos? Então é sinal para pensar no seu futuro. Incertezas ou certezas frias e paralisantes são sinais de que precisamos parar e entender nossas escolhas. Procure uma orientação profissional. Localize-se no tempo e no espaço, veja de onde veio e para onde pretende ir. Você não é uma coisa vazia que veio ao mundo de maneira dada - você se situou num contexto e desenvolveu determinados traços de personalidade. Olhe para eles, veja quem é você.

Quando escolhi psicologia, escolhi focar, mas não me fechar. Tenho vontade de fazer coisas diferentes que se complementam e amo isso. A idéia de ser uma estudante de Cinema ou uma roteirista não me preenche tanto quanto a idéia de acolher pessoas - e isso não me impede de escrever em blogs ou dar seqüência às minhas histórias, é uma atuação complementar. Sendo uma pessoa introvertida habituada a escutar e a viajar na maionese, percebo que combino, na atualidade, muito mais com o que escolhi do que com aquilo que deixei de escolher.

No final, a minha base familiar, a econômica, a emocional, a espiritual e a psíquica que escolheram. É uma escolha que encaixa em todas essas bases, que harmoniza com tudo. Era a melhor escolha. E acredito que continua sendo.

Seriedade consigo mesmo e com os próprios sonhos.
Coragem para enfrentar o caminho pelo qual se decidir.
Sabedoria para parar e entender as próprias dúvidas - parar e refletir é importante. Porque o futuro não existe, e o presente é tudo o que temos.
Boa jornada!


Créditos da primeira imagem: Joel Robinson.

2 comentários:

  1. Passei por algo parecido. Cursei design de moda sabendo que não atuaria em nenhuma empresa e que encontrar emprego aqui seria difícil. Mesmo assim fiz porque é algo que eu realmente gosto, e ainda não desisti dos meus sonhos. Pensei em parar diversas vezes, mas concluí. Agora estou cursando Artes Visuais porque preciso trabalhar para me sustentar, escolhi um curso que vai me ajudar ainda mais a alcanças meus objetivos finais. Estou na luta, correndo atrás. Ah, parabéns! Você escreve muito bem.

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    1. Sei que parece um pouco radical (e é, pra falar a verdade), mas acredito que, quando as pessoas desistem dos sonhos, elas morrem por dentro. Viver é produzir sentido, e os sonhos meio que nos guiam nisso, sabe? Por isso acho admirável a sua garra! De verdade. Força!

      E muito obrigada pelas doces palavras! :)

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