segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Orgulho & Preconceito - 2005 e 1980




Fim de semana, uma tarde de sábado e um domingo inteirinho de folga, e o que eu faço?

(  ) Começo a ler os textos da faculdade para me manter em dia.
(  ) Faço um calendário de trabalhos e provas.
(  ) Vejo "Disgrace" para o trabalho de Psicanálise. 
(  ) Leio o que resta do livro do Desafio "Um Livro Por Semana".
(  ) Escrevo minhas histórias.
(  ) Vou para a Lua e volto.
(X) Eu me jogo no sofá e vou ver "Orgulho & Preconceito".

Sim, o que eu fiz no meu primeiro tempo livre desde o início das aulas foi justamente correr para o sofá e ver a versão de 2005 do filme. Hoje eu quis rever, mas acabei encontrando a dos anos 80, e estou bem no meio.

Críticas


Bom, como havia dito neste post que fiz sobre o livro, a versão de Joe Wright é completamente mudada para soar palatável a um público jovem e atual. Como toda mudança, tanto de mídia quanto de imagem e roteiro, há ganhos e perdas. Só que foram mudanças tão positivas para uma versão em longa-metragem que eu diria que a única adaptação de um clássico literário para o cinema que foi tão bem-sucedida quanto essa foi Jurassic Park, um filme tão bem-feito que muitos nem devem saber que veio de um livro - quando, na realidade, veio, a fantástica obra de mesmo nome escrita por Michael Crichton, um best-seller dos anos 90 que criticava a Engenharia Genética numa época em que o Genoma seria a resposta para tudo.




Com O&P foi a mesma coisa: alterações demais, só que seguindo um objetivo. Entendem, não tentaram apenas compactar acontecimentos como fizeram com a série Harry Potter, resultando em um longa com cenas corridas e desconexas. 

Não, você pode detectar um estilo bastante peculiar na versão de 2005; você sente que há ali uma mensagem, que o filme transmite personalidade mesmo destoando do livro. Personagens foram simplesmente cortados para que houvesse uma concentração de tempo e de falas nos protagonistas, de forma que somos apresentados a um contingente menor da obra original, porém com uma perfeita transmissão de mensagem e de personalidade. Você passa a conhecer os personagens aos quais foi apresentado sem medo, sem pressa, pois há um desenvolvimento decente de enredo e um aproveitamento convincente de cada personagem.



Os Bingley, belos e ruivos, e Mr. Darcy logo à frente. A segunda irmã de Bingley e seu marido simplesmente não existem nessa versão e não fizeram falta.

Só que existe um toque forte de um humor caricato que me parece transcender o da obra. O Sr. Bingley, colocado como um belo, educado e rico rapaz no livro é tão, mas tão gentil e bonzinho no filme, que chega a ser bobalhão. Um bobalhão morto de amores por Jane Bennet.



Eu não lembro se no livro fala que é ruivo - para mim, sempre teve cabelo castanho-escuro, ao menos na minha doce imaginação -, mas foi uma ótima aquisição.

Fora que os personagens, embora bastante condizentes com a descrição do livro, são um pouco diferentes em alguns detalhes da aparência, mas a interpretação ficou impagável. Ou seja: a coisa encaixou.





Naturalmente, existe um toque teatral e muito romântico que, sem dúvida, foi uma pegada de mestre para conquistar jovens leigos da atualidade - por leigos, digo que não são adeptos à leitura original. O vestuário sugere décadas à frente da época em que realmente aconteceu a história, além de uma ligeira adaptação, de modo que os personagens vestem menos roupas e babadinhos, o que soa mais fashion, mais "jovem"; a Lizzy é mais descabelada e talvez mais magra e esbelta (mais menina) do que a autora pretendia, e se mostra mais parecida com as jovens da atualidade - sem dúvida, é impossível não se identificar com Lizzy em meio ao tempo nublado, balançando-se em um brinquedo precário, as vestes simples, os cabelos displicentes e os pés descalços. Eu não sei se alguma moça da aristocracia rural pré-vitoriana fez isso algum dia - talvez, por que não? -, mas podemos perceber que, do mesmo jeito que o filme extrapolou o conceito de rapaz belo, romântico, perfeito e bonzinho apresentando-nos a um bobalhão apaixonado (Mr. Bingley), transformou a heroína sorridente e sagaz em uma moça completamente fora dos padrões, com um desleixo mais aplicável ao século XXI do que à sua época real, chegando a ser anacrônico.





Keira Knightley interpretando a Lizzy da garota do novo século: sonhadora, simples, perspicaz e brincalhona, e também descalça e com um casacão pesado e despojado.


A moda minimalista que traz Lizzy para a nossa realidade. Se não me engano, foi a roupa que Lizzy usou em um baile.

Elizabeth Garvie encarnando Lizzy em 1980, no baile (acho que o mesmo) da foto anterior: note o tamanho da manga, os babadinhos, o tecido, as luvas, o cabelo impecável... bem diferente, não?

Mas foi uma alteração muito bem-sucedida. A adaptação a uma época à frente da original, o toque teatral, o dinamismo das tomadas de câmera, a extrapolação caricata das personagens, a ênfase em aspectos principais da história, a realocação de diálogos em cenários mais sugestivos como uma tarde chuvosa - tudo favoreceu essa ousada tentativa de transformar um livro tão detalhado em um filme.



Ah, a chuva, sempre temperando as cenas mais emocionantes de um filme água-com-açúcar! <3

Claro que, paradoxalmente, a perda reside justamente na mudança. Eu disse, no outro post, que justamente um dos grandes aspectos do livro é o fato de que a história mostra uma heroína, a Elizabeth, como uma personagem multifacetada que, apesar de ter uma vida limitada aos afazeres da época, não fica na janela a suspirar por seu amor idealizado; ela, além de mocinha, é filha, irmã, sobrinha e amiga, e presenciamos uma naturalidade real em todos os aspectos de sua vivência. Ela não está ali exclusivamente à espera de marido - é uma moça real, com pensamentos reais e uma personalidade complexa demais para se limitar a apenas uma área da vida.




Isso se perde um pouco no filme. Apesar de ainda termos uma Elizabeth vivaz e independente, o filme é curto demais para transmitir esses aspectos multifacetados da mocinha - fora que todo o mundo, inclusive quem é fã, quer ver o Mr. Darcy a todo instante. Então, o Mr. Darcy aparece relativamente mais do que no livro, quase como um espectro a assombrar Lizzy, sempre aparecendo repentinamente em muitas cenas.


Nessa versão, a Caroline Bingley (a ruiva) é muito bonita!

Isso tira aquele toque real e social da história e a transforma quase que completamente num romance bem água-com-açúcar, resultando em ganho, mas também em perda.


Os Bennet: Jena Malone, Donald Sutherland, Rosamund Pike, Carey Mulligan, Keira Knightley...

Claro que eu não fiquei me lamentando - valeu muita a pena.

A "Lizzy 2005" talvez não seja a mais adequada quando se fala em fidelidade de personagem, apesar de ter o "olho-que-ri" e conseguir segurar a força que a heroína transmite. Não, ela não é a mais fiel, mas sem dúvida é a minha preferida - é ela que eu imagino quando leio o livro.

E, quanto ao Mr. Darcy, idem. Gente, eu sei que a interpretação do Colin Firth deve ser excelente, e o rapaz da versão 80 - David Rintoul - está impecável, mas é muito difícil não imaginar um Matthew Macfadyen quando se lê o livro. Acho que o diferencial dele é a voz.

E acho que não há pessoa que não diga isso.

A voz dele é a perfeita voz de um príncipe encantado da literatura. Dos que têm sal.

E também corresponde a 95% do que eu reparo na aparência de uma pessoa.

Geminianos: sempre preocupados com a voz. Com a comunicação... *suspiro resignado*

Escolhi uma das cenas de diálogo, mas não recomendo vê-la toda se quiser mesmo assistir ao filme inteiro; foi só para mostrar como a voz desse ator é realmente cativante e convincente:



Agora, em relação à versão de 1980:




É uma série de cinco episódios. Eu comecei a ver por engano, pensando que era a de 1996, e só me toquei quando o Mr. Darcy apareceu e não era o Colin Firth no papel. Como eu AMO essa história e a série estava para lá de boa, continuei a ver, e estou amando.



Lizzy e Jane.


Naturalmente, por ser uma série, é muito mais fiel ao livro. Aquelas cenas consideradas inúteis para um longa de no máximo duas horas voltam a aparecer, e aquele trânsito constante de personagens, passeios, jogos e toda aquela maravilhosa parafernália britânica retornam com tudo, bem como os lencinhos e babados. E aquelas calças justas que os homens usam também, com todo o seu requinte (e sua breguice).


David Rintoul, um dos intérpretes favoritos de Mr. Darcy de todos os tempos.


O Mr. Darcy parece um robô. Toda aquela espontaneidade que atrai a nós, jovens do século XXI, não está presente nessa versão de trinta anos atrás: todos são mais rígidos e metódicos, e o Mr. Darcy, que é o arrogante, orgulhoso, cavalheiresco e seriíssimo príncipe encantado, parece um andróide, tão rígido que me fez "diagnosticá-lo" como obsessivo na veia.

E por isso, mesmo, na minha concepção, é o mais fiel. Não sei se os outros leitores tiveram a mesma impressão, mas a história O&P não começa romântica - por isso é perfeita. Definitivamente não parece que Mr. Darcy um dia poderá se apaixonar por Elizabeth Bennet, tão orgulhoso e frio ele é. Você não vê nele um homem com ímpetos românticos, e nem um cara que fica fazendo doce, enchendo a parada de firula; ele é tão frio quanto se pode esperar de um cavalheiro fechado da era vitoriana. Ele não transmite calor nas primeiras páginas, não transmite a menor consideração por Lizzy - pelo contrário, esnoba a todos e vive distante, desprezando tudo o que não é próximo do círculo mínimo de pessoas que valoriza. Por que com Lizzy seria diferente? Não há, no livro, um presságio positivo para o relacionamento dos dois. Pelo menos não no começo.

E essa indiferença, esse mundo interno inteiramente encoberto pelo orgulho você percebe no David Rintoul de uma forma que não percebe nas outras duas versões citadas.

E esse elemento é parcialmente eliminado na interpretação de Macfadyen, que transmite mais daquele calor romântico e tímido que toda garota contemporânea quer ver. Ele menospreza, mas ao mesmo tempo deseja, e ao mesmo tempo luta contra os próprios sentimentos; ele transmite isso, criando uma deliciosa tensão romântica ao longo da história com seu olhar doce e fechado, com sua voz metódica que hesita, mas define.

O que não está presente no livro.

E é justamente a ausência desse elemento que chamaremos aqui de "água-com-açúcar" que constitui um excelente romance de época - a presença de um Mr. Darcy apaixonado é lenta e discreta demais, diluída em páginas e páginas da vida social e psicológica de Elizabeth Bennet. Isso é convincente, é uma herança de romance de época, e somente David Rintoul preservou essa essência. Nem mesmo Colin Firth, pelo pouco que vi de sua atuação no youtube, conseguiu manter esses ares frios e robóticos, mesmo em uma versão televisiva da história - ele foi mais "bonzinho" do que o Mr. Darcy realmente se mostra na primeira metade do livro.



Elizabeth Garvie: fabulosa.


E a Lizzy? Nossa, perfeita. O padrão para ser uma boa Lizzy é ter olhos grandes, brilhantes e castanhos e um ar risonho. Todas versões da heroína são assim, vêm de fábrica. E essa, com seus cabelos cacheadinhos e vestes de mangas compridas e cheias de babadinhos, essa sim se parece mais com a descrição original da Jane Austen. Displicente, mas ajeitadinha.




Nessa versão, Mary e as outras irmãs, na minha opinião, também são mais parecidas com o que eu imaginava. E até mesmo o Sr. Collins, com seu rosto grande e gorducho, está parecido exatamente com o que eu tinha em mente - um sujeito alto, rechonchudo, ligeiramente desajeitada, e não o jovem franzino de Joe Wright.

Na versão de 2005, os atores parecem mais jovens, e bem condizentes com a faixa etária descrita - Lizzy tem 21 anos! Pesquisando, a gente percebe que a diferença de idade entre os atores, na época em que atuaram nas respectivas versões, nem é diferente - todos na faixa dos 20 anos -, mas a diferença de padrões de cada época e o figurino fizeram com que a turma de 1980 parecesse mais velha do que realmente era.

O que me parece bem próximo da realidade da época; não sei, a gente associa muito babados a vovós, e a não-existência da adolescência no século XIX acentua esse aspecto adulto nas pessoas, e a galera de 1980, jovem como a de 2005, conseguiu enfatizar isso.

Nós não temos o Donald Sutherland fantasticamente como o Sr. Bennet nessa versão, e nem a Jena Malone como a teimosa Lydia (incrível como essa atriz SEMPRE interpreta gente teimosa! Em Sucker Punch, em Hunger Games, ela é sempre a do contra!), mas temos um elenco igualmente ótimo.

É menos teatral, mais novelístico, mas excelente e fidedigno! :)

Naturalmente, ambas as versões estão recomendadas, e ainda verei a de 1996 para recomendar também!

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